quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A Dance with Dragons, Uma Crítica



Ler Game of Thrones é um erro. Eu sei, acredite em mim, pois eu cometi esse erro cinco vezes.

Começar a ler um livro da série A Song of Ice and Fire é dizer adeus a qualquer outro projeto enquanto a última página não tiver sido virada. A vida social do leitor sofre, pois ele não consegue falar sobre outro assunto com as pessoas de seu convívio, o que o deixa com a fama de chato. Pode levar também a risco físico, pois a partir do Feast for Crows, o quarto livro da série, o leitor adquire conhecimento de acontecimentos que ainda não foram exibidos na TV e a tentação de contar para os amigos que assistem a série é perigosamente elevada.

Por isso eu te recomendo: não leia. Use as centenas de horas que você perderia lendo e pensando na série para fazer algo mais útil, como por exemplo um curso de culinária, ou de Python, ou um estudo sobre as Guerras Napoleônicas, etc.

Por ora finalmente me livrei do jugo do George Martin, pois consegui terminar de ler o último livro lançado até agora da série, A Dance With Dragons.

Como todos os outros livros da série, no geral George Martin não decepciona. Este livro é focado nos personagens que não apareceram no Feast for Crows, especialmente nas histórias de Jon Snow, Tyrion e Daenerys. E finalmente aparece de volta o Theon Greyjoy. Na série ele nunca deixou de aparecer, mas nos livros ele foi capturado no segundo livro, A Clash of Kings, e só volta aparecer três livros depois, no A Dance With Dragons.

O livro anterior, A Feast for Crows, mostra as disputas por interesse em Westeros, aproveitando o vácuo e a desordem deixados pelas mortes deselegantes de sua Graça o rei Joffrey e o seu avô e mão, Lord Tywin. Em a Dance with Dragons o foco é em Daenerys e em todos os vaga-lumes que são atraídos por seu brilho com a intenção de ajudá-la ou usá-la na conquista de Westeros. Também acompanhamos Jon Snow em sua tentativa de organizar a muralha, agora que ele precisa aguentar o chato do Stannis e uma multidão de selvagens derrotados na batalha de Castle Black.

O livro é excelente, como sempre com uma história extremamente cativante. George Martin consegue escrever de tal forma que, ao acabar de ler um dos capítulos sobre um personagem, eu ficava com raiva de que o capítulo tivesse terminado porque queria ler mais sobre o personagem. Isto inclusive fazia com que eu começasse o próximo capítulo já com uma pré-disposição negativa, do tipo “bah duvido que este capítulo da Daenerys seja tão legal quanto o anterior”, mas o capítulo seguinte sempre era mais legal ainda.

Porém, não podia ser tudo lindo e maravilhoso. É uma coisa que me dói muito dizer, mas este livro me causou uma crise de confiança no George Martin. Uma das coisas que eu mais admirava nos livros era o fato de que não existiam personagens “intocáveis”. Todos os personagens, não importa o quão queridos e adoráveis fossem, eram presas potenciais para O Estranho.  Isto gerava em mim durante a leitura um frio na barriga de não saber a que momento um personagem ou outro iria morrer e me forçava a tentar não me apegar a qualquer personagem, o que é difícil de fazer com personagens tão legais. Quando a morte inesperada acontecia, a sensação de indignação e a necessidade de superar essa morte eram efeitos bons do livro, que estimulavam a reflexão e criavam a expectativa de descobrir como a história iria progredir agora que <INSIRA SEU PERSONAGEM FAVORITO AQUI> morreu.

Infelizmente no A Dance With Dragons o George Martin ficou com o coração mole e não só os personagens pararam de morrer, mas também personagens que eu acreditei terem morrido em livros anteriores voltaram. Isto me fez perceber que, a não ser que tenha ficado extremamente explícito que o personagem morreu, certificado pelo perito do Instituto Médico Legal e com aval das Irmãs Silenciosas, então o personagem não está morto. E no Dance With Dragons aconteceu várias vezes isto - um capítulo terminando com um personagem se dirigindo à morte certa, para no próximo capítulo ele aparecer tendo sido resgatado, ou um personagem sobrevivendo a uma execução, etc. O efeito negativo disto é que, de agora em diante, sempre que um personagem “morrer” no livro, em vez de passar pela fase de indignação e pela necessidade de superar a morte do personagem agora vou ficar desconfiado pensando que esse personagem pode nem ter morrido mesmo e a graça não será a mesma. Veja que nem mesmo o fato de que a cabeça do suposto falecido ter sido presa a uma estaca com uma cebola entre os dentes é garantia de que o suposto dono da cabeça esteja morto, por isso não me surpreenderia que o próprio Ned Stark aparecesse montado em um dragão para salvar Westeros da ameaça dos Outros em algum dos próximos livros.

O próprio Dance with Dragons nos seus últimos capítulos apresenta algumas mortes importantes, cujo impacto na história seria enorme e que teriam me deixado chocado e ansioso se o George Martin não tivesse aberto o precedente de se permitir “matar” personagens e depois revivê-los. Se os personagens aparecerem vivos no próximo livro (o que não me surpreende mais), então “matá-los” no final do Dance with Dragons terá sido um estratagema barato (e mal sucedido) para tentar fechar o livro com um evento marcante como a execução de Ned Stark, o Casamento Vermelho ou o casamento do Joffrey.

A outra coisa é que o George Martin acabou caindo naquele vício de querer terminar de escrever o livro com pressa. Não sei se foi de fato por pressa que aconteceu, mas logo depois do capítulo da Daenerys em que é inaugurado a arena de lutas em Meereen (descrição propositadamente curta para evitar spoilers) os capítulos parecem mais curtos e condensados, com um monte de coisas acontecendo muito rapidamente. Isto corta um pouco o barato da leitura, pois se tem uma coisa que torna esta série tão viciante são os suspenses no final de cada capítulo que o George Martin introduz. É muito comum que ele apresente um suspense que será resolvido vários capítulos depois, ou até vários livros depois. Mas nos últimos capítulos do A Dance with Dragons ele tinha muita coisa que queria contar, então esses suspenses eram introduzidos e resolvidos muito rapidamente, cortando o barato da expectativa. Mas tudo bem, Georgie, EU TE PERDOO DESTA VEZ. Mas é a segunda vez que você me apronta isto (eu ainda lembro do final do A Storm of Swords) então vê se não repete DE NOVO.

Durante a leitura também acabei me deparando com algumas dúvidas filosóficas relacionadas com a Muralha e com os mortos-vivos.

O livro dá a entender que ainda existem centenas de gigantes do outro lado da muralha. Por que estes gigantes não conseguem matar facilmente os mortos-vivos? Por que eles precisam fugir para o sul com o resto dos povos selvagens?

E o que será que aconteceria se um dos dragões da Daenerys fosse parar no outro lado da muralha e morresse? Ele viraria um enorme dragão morto-vivo, que seria montado por um daqueles White Walkers?

Será que o Bran, sendo um warg, conseguiria ocupar a mente de um dragão e controlá-lo? Será que a própria Daenerys se revelará sendo uma warg também, e é isto que permitirá que ela controle seus dragões?

Eu torço para que não haja dragões mortos-vivos nem o Bran ocupando a mente de um dragão. Eu também espero que a solução para o problema de enfrentar a ameaça dos mortos vivos no norte da Muralha não seja resolvida da forma trivial que seria com um dos dragões da Daenerys queimando todos eles.

E agora vou aproveitar que recuperei minha vida de volta para fazer alguma coisa mais produtiva.

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