quarta-feira, 25 de junho de 2014

The Girl with the Dragon Tattoo, Uma crítica


Acabei de ler o livro “The Girl with the Dragon Tatoo”, do autor sueco Stieg Larsson. O livro faz parte de uma trilogia chamada Millenium Trilogy que fez sucesso internacional, vendendo milhões de cópias no mundo inteiro e rendendo inclusive um filme com Daniel Craig. Você pode não reconhecer o título, pois o filme foi lançado no Brasil como “Millenium - Os homens que não amavam as mulheres”.

E o título é bem apropriado! Não sei exatamente a motivação do autor, mas o livro é praticamente um manifesto feminista, com abundância de personagens femininas fortes e personagens masculinos machistas, sádicos e abusadores de mulheres.

Eu já havia visto o filme antes de ler o livro e eu tinha gostado mesmo. Mas eu só soube que o filme era baseado em um livro por indicação de minha mãe. Para mudar um pouco de ares, depois de participar de um festim para corvos resolvi tirar umas férias de Westeros e fui passar uns dias em Hedestad, uma pequena cidade ao norte da Suécia, residência da excêntrica família Vanger.

Excêntrica é eufemismo. A família Vanger, uma família antiga e tradicional da Suécia, é proprietária das Organizações Vanger, um conglomerado industrial colossal responsável pelo emprego de dezenas de milhares de suecos e atuante em áreas muito diversas, incluindo siderurgia, produção de papel, transportes marítimos, jornais, etc. É uma empresa muito antiga, com a peculiaridade de que apenas membros da família podem ser acionistas. Sendo a família agraciada com todo tipo de neurótico (sem faltar os nazistas excêntricos), é possível imaginar como devem ser agradáveis as reuniões do conselho diretor.

O livro nos conta a história de Mikael Blomkvist, um dos sócios fundadores da revista Millenium (daí o nome Millenium Trilogy…)  que é contratado por Henrik, o patriarca da família Vanger, para escrever uma biografia dele e da sua família. O convite veio em bom momento, pois Blomkvist acabara de ser condenado por difamação ao publicar um artigo polêmico sobre empresário Wennerstrom, um bilionário de reputação duvidosa que, como todos os bilionários de reputação duvidosa, não deve gastar pouco com advogados.

Mas a biografia é só uma fachada - o que Henrik Vanger deseja é que Mikael use suas habilidades de reporter investigativo para tentar jogar uma nova luz na investigação do desaparecimento de sua sobrinha-neta Harriet em circunstâncias muito estranhas quarenta anos antes. Apesar de que o corpo nunca foi encontrado, Henrik está convencido de que houve um assassinato e que o assassino só poderia ser uma das vinte e tantas pessoas que ficaram presas na ilha de Hedeby em decorrência de um acidente que bloqueou a única ponte de acesso no mesmo dia em que Harriet sumiu.

Será difícil para Blomkvist conseguir novas evidências para a investigação, afinal a investigação policial foi muito detalhista, sem esquecer que o próprio Henrik passou os últimos quarenta anos obcecado com a solução deste mistério, analisando cada pista meticulosamente.

Para ajudá-lo em sua missão Blomkvist recebe a ajuda de Lisbeth Salander, uma heroína pouco convencional. Ela é uma das personagens girl-power de Larsson, uma garota franzina, pálida, com piercings na boca e no nariz, adepta de um estilo gótico/punk, cheia de tatuagens (adivinha qual é a criatura alada mitológica e cuspidora de fogo que ela tem tatuada no ombro?). Ela não abre suas emoções para ninguém (embora arraste uma asinha cheia de escamas para o Blomkvist) mas também não leva desaforo de ninguém. E, além disso, é uma hacker talentosíssima com uma capacidade ímpar de descobrir os segredos mais bem guardados de qualquer um que caia em sua mira.

Não pretendo continuar contando as aventuras de Blomkvist e Salander na ilha mágica dos Vanger - se você quer saber mais leia o livro ou veja o filme. Mas o que pretendo fazer é falar um pouco sobre o que achei do livro.

Um dos pontos fortes do livro é a história. O mistério circundando o desaparecimento de Harriet é instigante e envolvente. Ao acompanhar a investigação de Blomkvist e Salander, o leitor se surpreende com a criatividade destes para encontrar pistas onde ninguém mais havia encontrado nos últimos quarenta anos. Além disso, Larsson ambientou a história muito bem. Ele descreve a família Vanger com muito detalhe, nos mostrando cada membro da família como um indivíduo único com suas próprias excentricidades. Os impérios industriais de Vanger e Wennerstrom são descritos com muita riqueza, e por alguma razão é muito cativante ler sobre as falcatruas nessas empresas.
Infelizmente, eu já havia assistido o filme e sabia qual era o final. Uma lição para vocês, crianças: saber a solução do mistério estraga um pouco a leitura de um livro que é, bem, um mistério policial.

Mas isso não é a única coisa frustrante do livro. Nesse livro aconteceu algo que infelizmente é muito comum e que acho bastante decepcionante. O livro começa muito bem - existe um balanço muito bom entre o desenvolvimento dos personagens, a explicação do contexto e a introdução do protagonista ao mistério do desaparecimento de Harriet. Porém quando começa a investigação, fica a impressão de que o autor havia pensado muito bem no contexto e nos fatos principais história, mas não se preocupou muito em pensar no recheio, aqueles acontecimentos do cotidiano que acontecem entre os fatos principais e que deixam a narrativa realista. De repente as pistas começam a aparecer e serem desenvolvidas muito rápido, as interações entre os personagens são mecânicas e direto-ao-ponto e a narrativa fica cheia de situações muito artificiais, apenas para encher linguiça entre dois acontecimentos relevantes. Por exemplo, há várias situações em que acontece um evento importante A, então há uma meia página descrevendo como Blomkvist ficou em sua cabana tomando café e cortando as unhas do pé e logo em seguida acontece o evento importante B. Nota-se que a cena do Blomkvist tomado café estava lá apenas para não narrar o evento B imediatamente depois do evento A. Se era só para encher linguiça poderia muito bem ter cortado essa meia página. Por sinal, fazer Blomkvist e Salander tomarem café e comerem sanduíches é a principal estratégia do Larsson para tentar adicionar um pouco de vida cotidiana durante a investigação, e o abuso desta estratégia acaba ficando cansativo.

Também há personagens que o Larsson teve bastante cuidado em introduzir com muita atenção e detalhe e que, depois, parece que ele desiste de usar ou simplesmente se cansa deles. Cecilia Vanger, por exemplo, é uma sobrinha de Henrik que acaba tendo um relacionamento amoroso com Blomkvist. Mas esse relacionamento termina de repente, sem mais nem menos, e a Cecilia simplesmente some da história, voltando de tempos em tempos para uns diálogos secos e totalmente funcionais. O irmão nazista de Henrik, Harald, também é um personagem para o qual é feito um grande preâmbulo mas que nunca é utilizado a contento.

Outra coisa que incomoda um pouco é a inconstância dos protagonistas. Salander é toda rebeldezinha, mas às vezes é retratada por Larsson como sendo uma pessoa fechada e calculista que prefere ignorar as pessoas à sua volta e outras vezes é retratada como uma pessoa agressiva com reações explosivas e grosseiras disparadas por besteiras. Blomkvist também acaba sendo um pouco inconsistente no sentido em que ele mantém a calma em um monte de situações grotescas que ocorrem com ele e, mais para o final do livro, tem explosões de raiva desproporcionais e incoerentes com a personalidade que ele manifesta no livro inteiro. Outra coisa que cansa é o abuso dos super-poderes hacker de Salander. Ela consegue obter qualquer senha de banco ou de criptografia de e-mails em poucos minutos, o que facilita demais a solução de alguns dos conflitos no livro.
Então a minha impressão final foi que o Stieg Larsson conseguiu pensar em uma trama envolvente, conseguiu imaginar um contexto rico e realista, conseguiu bolar personagens interessantes, mas no momento de escrever parece que ele ficou com preguiça ou pressa para terminar e acabou sacrificando aqueles aspectos que, embora não contribuam diretamente para a história, contribuem para deixar o livro coeso e verossímil. Valeu a pena ler o livro, claro, mas acho que só ter assistido o filme já teria sido suficiente.

De qualquer forma ainda há mais dois livros da série que pretendo ler, e então verei se houve alguma evolução no estilo dele nos livros seguintes. Por sinal, infelizmente Stieg Larsson faleceu aos 50 anos em 2004 logo depois de entregar os manuscritos da Millenium Trilogy para publicação. Ele nunca chegou a ver o sucesso de sua obra. Pelo menos o consolo é que ele não vai poder reclamar da resenha que fiz de seu livro. :-p

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